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Maria Alice Volpe saúda Maestro Júlio Medaglia

O maestro, arranjador e compositor Júlio Medaglia ocupou a cadeira nº 10, que foi de Régis Duprat e tem Cândido Ignácio da Silva como Patrono e Octavio Maul como Fundador

Maria Alice Volpe saúda Maestro Júlio Medaglia
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Discurso de saudação da acadêmica Maria Alice Volpe (cadeira nº2)
para a posse do maestro Júlio Medaglia como membro eleito na cadeira nº10
da Academia Brasileira de Música em 21 de junho de 2022 (terça-feira às 18h)

 

 

Estimado Maestro Julio Medaglia, prezadas confreiras e prezados confrades da Academia Brasileira de Música, caloroso público que assiste esta cerimônia de posse na Academia Brasileira de Música.

Permitam-me iniciar este discurso de boas vindas com as mesmas palavras com que fui recepcionada, na cadeira nº2, pelo seu antecessor na cadeira nº10, com a ressalva de que V. Exa. é muito mais merecedor de tais palavras de Régis Duprat do que eu.

“Após o pronunciamento das urnas, a Diretoria desta Casa investiu-me da honrosa missão de recepcioná-lo na posse da cadeira nº 10 desta Academia. Nesta nobre incumbência enriqueço ao mesmo tempo o meu currículo pessoal destacando suas qualidades no desempenho de recepcioná-lo nesta Casa da Música brasileira…”

Aproveito a oportunidade para reiterar meus sinceros agradecimentos aos confrades e confreiras pela salutar e sensível escolha de Júlio Medaglia. Expressa o reconhecido mérito de sua obra e contribuição para a música brasileira, certamente tão insubstituível quanto à de seu antecessor Régis Duprat.

Esta eleição tem um significado muito especial, pois confere uma linha de continuidade desejável ao perfil da cadeira, em sintonia com as tradições acadêmicas, somando-se ainda o vínculo profissional, o engajamento em causas importantes visando a memória musical brasileira, o pioneirismo em abrir novos caminhos e a inovação estética. A amizade fraternal que ambos cultivaram por toda a vida resultaram em realizações que marcaram época: a bravura do Manifesto Música Nova em 1963, a belíssima gravação da Missa a 8 Vozes e instrumentos, de André da Silva Gomes (Selo: Festa – IG 79.501, LP vinil, 1970) e tantas outras realizações juntos de Curt Lange pela música do Brasil Colonial numa era de pioneirismo. E também as parcerias com seu irmão Rogério Duprat, desde o Manifesto Música Nova e que culminaram no Movimento da Tropicália, em estreita colaboração com Caetano Veloso e o recém-eleito membro da Academia Brasileira de Letras, Gilberto Gil. Os universos estão se unindo. Temos em Júlio Medaglia um músico que atuou em campos diversos, desde a divulgação da música de concerto nos diversos espaços e meios de comunicação, em programas de rádio e TV, incluindo a crítica musical, e também rompendo barreiras e preconceitos entre o popular e o erudito, com posturas tão necessárias para o mundo atual.

A grandeza das múltiplas ações de ambos, antecessor e sucessor, em prol da música no Brasil, teve a felicidade de unir os dois em momentos importantes da história cultural deste país, união selada por estimada amizade de uma vida inteira, e agora coroada pela cadeira nº10 da Academia Brasileira de Música. Com a certeza de que os serviços prestados à música brasileira por Júlio Medaglia muito honram a cadeira nº10 e seu sucessor Régis Duprat. Não posso deixar de repetir que Régis Duprat deve estar exultante lá do céu, festejando durante muitos dias, como se fazia no Brasil colonial.

O discurso de boas vindas ao acadêmico eleito Júlio Medaglia incumbe-me da difícil missão de expor com alguma lucidez e concisão uma trajetória longa, frutífera e multifacetada de figura exponencial do cenário musical brasileiro dos séculos XX e XXI. Eu poderia me safar dizendo “O maestro Júlio Medaglia é conhecido de todos e dispensa apresentações”. Mas não!… É preciso meditar, refletir, repensar, reconectar todas as pontas dos fios, tecidos e botões que Júlio Medaglia tem costurado em prol da música no Brasil. Presto aqui uma homenagem à sua mãe, maestro. É preciso compreender com mais perspicácia as falas provocativas de Júlio Medaglia sobre os diversos encaixes das peças das engrenagens dessa máquina que é a indústria da cultura, e também sobre o papel, ora proativo, ora conformista ou oportunista, de seus pilotos, vis a vis a música de qualidade no Brasil. Presto aqui uma homenagem ao seu pai, maestro.

Impossível compreender o impacto da atuação dessa figura ímpar sem se aproximar de uma dimensão que alguns dirão “subjetiva”, mas que talvez possamos identificar como – e evoco aqui Heidegger, o filósofo que Régis Duprat lia e relia ao longo de décadas – seu modo de “estar aí no mundo”… o Dasein heideggeriano…

Júlio Medaglia tem uma personalidade marcante e provocativa. Seus pronunciamentos públicos demonstram a franqueza de uma pessoa destemida, que não recua diante das polêmicas que suas convicções possam provocar e leva adiante empreendimentos vitoriosos que confirmam a solidez de suas ideias.

Ao assistir a suas inúmeras entrevistas dadas para a televisão percebo como você, Júlio Medaglia, junto com Régis e Rogério Duprat, deram longevidade ao Manifesto de Música Nova, que continuou reverberando em suas ideias, posicionamentos e perspectivas analíticas… muitas vezes expressas por um humor crítico e irreverente, às vezes debochado… o uso da polêmica como estratégia comunicacional… sem esquecer o desbunde… ah!… o desbunde!… aí estamos em plena Tropicália… Que delícia vê-lo debochar de tudo o que é clichê com tanta liberdade de expressão!…

Essa irmandade entre Júlio Medaglia, Régis e Rogério Duprat também se expressa no pendor dos três artistas-intelectuais para apreender o sentido das coisas sob larga perspectiva, que certamente podemos associar com o conceito de “longue durée” que Régis Duprat nos ensinava insistentemente, a partir de seu mestre Fernand Braudel: perceber as temporalidades históricas de longa duração. Caro Júlio Medaglia, não sei se estou falando alguma novidade para você, mas você é braudeliano. Percorramos a formulação dos títulos de cada capítulo de seu livro “Música Impopular” (1988): “Claude Debussy, a base” (sobre ‘o universalismo de Debussy’)… “Igor Stravinsky, Le Massacre Du Printemps”.(sobre ‘a disposição experimental e renovadora que moveu esse mestre em toda sua vida artística’).. “Arnold Schönberg, a cosmo-agonia de um revolucionário”… “Anton Weber, faca só lâmina”… “Eric Satie, só o humor constrói”… “Música eletroacústica”… “Charles Ives, proposta sem resposta”… “Da crise a Cage” … “A pulverização da informação”… “Astor Piazzola, o Kitsch na vanguarda”… “Gunther Schuller, Jazz, 3ª. corrente”… “Trilha sonora, a música como (p)arte da narrativa”… “Rock: AIDS da música atual”… Um livro todo para mostrar os fenômenos de longa duração aos quais a música do século XX esteve atrelada.

Mas a vida é prodigiosa em atrelar e conectar as pessoas na “longa duração”. Eu era uma jovem professora, pianista e musicóloga, quando tive meu primeiro e inesquecível encontro com Júlio Medaglia: Júlio era diretor da Universidade Livre de Música e eu me dirigi ao seu gabinete, na qualidade de professora de ‘História da Música’, ‘História da Música Brasileira’ e ‘Cultura Brasileira’ da Universidade Livre de Música, para uma entrevista com meu então diretor, e ao final fui presenteada com seu livro, lavrado com a gentil dedicatória musicanovista e tropicalista: “Para Maria Alice Volpe, aqui ficam algumas alquimias e feitiços de nossa época – com minha admiração, Júlio Medaglia, agosto de 1992”. Guardei esse livro e essa dedicatória com todo o carinho exigido pela “longa duração” braudeliana.

Querido Maestro, como dissertar sobre seu vasto currículo e sua multifacetada trajetória profissional sem fazer um discurso de boas vindas mais longo do que o seu discurso de posse?

Devo recorrer ao verbete da “Enciclopédia da Música Brasileira”, redigido sob a direção de Régis Duprat e Marcos Marcondes? Devo recorrer ao mini-currículo redigido pelo próprio maestro, que gentilmente nos enviou? Devo recorrer ao extraordinário documentário produzido pela TV Cultura “Clássicos: Bravo, Júlio Medaglia” que comemorou os 70 anos do maestro? Ou ao programa especial produzido pela TV Cultura “Clássicos: Especial Júlio Medaglia 80 anos”? A entrevista (exibida em 14/12/2010) do programa “Provocações” do brilhante e saudoso Antônio Abujamra?… O depoimento para a Pró-TV/Museu da Televisão Brasileira (17-04-1998), recolhido pela Associação dos Pioneiros da TV Brasileira?… A entrevista dada a Ronnie Von no programa Todo Seu (20-03-2015), a entrevista dada no “Pingue-Pongue com Bonfá” (2018)?… A entrevista dada a Chris Maksud e Atílio Bari para o programa “Persona” (26-09-2021)? As entrevistas nos programas da TV Cultura Vox Populi (1985) e Roda Viva (1991)… O programa especial “Maestro Julio Medaglia – 30 anos na Rádio Cultura FM”… São muitos… não poderei mencionar tudo…

Como costurar todos os frios e tramas, desde sua família de imigrantes italianos, seu encanto pelo futebol (Palmeirense, por sinal) e pela música que te levou para a orquestra do Clube de Futebol do Palmeiras, a sonoplastia com técnicas da música concreta das radionovelas que você ouvia junto de sua mãe, o encanto daquele violino embrulhado na trouxa da empregada doméstica que depois veio a se tornar a atriz de radionovela Magali Sanches, a manchete de jornal que marcou sua estreia como regente e trouxe a bênção de seu pai para sua carreira de músico, sua formação na Escola Livre de Música de São Paulo com Hans-Joachim Koellreutter e depois nos Seminários de Música da Bahia, seguidos pelos seus estudos na Universidade de Freiburg, Alemanha, e também de alta interpretação sinfônica com Sir John Barbirolli, de quem foi assistente, os festivais de música contemporânea de Darmstadt, ministrados por Stockhausen e Boulez; o happenning, John Cage; os Beatles; Damiano Cozzella; Tom Zé; sua experiência com Gunther Schuller e o jazz, sua intensa atividade como maestro no Brasil e no exterior, na qual inclui a Filarmonia de Berlim; sua participação na organização dos Festivais de Música Popular Brasileira transmitidos ao vivo pela TV, suas mais de 100 trilhas sonoras para o teatro, a televisão e o cinema, incluindo a primeira novela infantil, o Sítio do Pica-Pau Amarelo, e a série Grande sertão: Veredas (TV Globo, década 1980); sua colaboração com o movimento da poesia concreta com as sonorizações de poemas de Décio Pignatari e dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos; seu trabalho como regente, produtor e crítico musical para a divulgação e o debate da obra de Villa-Lobos. Muito lembrado pela sua passagem pela música popular como um dos fundadores do Tropicalismo, sendo o autor do arranjo original da música TROPICÁLIA de Caetano Veloso que deu origem àquele movimento, destaco aquele capítulo de seu livro Música Impopular, com o título provocativo “Abaixo o orgasmo, viva a ereção!” para reinterpretar esse slogan e ressaltar o quanto Júlio Medaglia erigiu institucionalmente com sua atuação no meio musical brasileiro:

Diretor do Instituto Estadual de Comunicação do Rio, Diretor da Rádio Roquette Pinto do Rio; Supervisor Musical Artístico da Rede Globo; Diretor Artístico do Teatro Municipal de São Paulo e regente titular da Orquestra Sinfônica Municipal; diretor artístico de Theatro Municipal do Rio de Janeiro; diretor do Festival de Inverno de Campos do Jordão; diretor da Universidade Livre de Música; diretor artístico do Centro Cultural São Paulo; regente da Sinfônica do Teatro Nacional de Brasília. Para o Teatro Amazonas criou a Amazonas Filarmônica com músicos de vários países do mundo. Nesse teatro acontece o maior festival de ópera do país.

Por ocasião das homenagens a Carlos Gomes pela passagem dos 100 anos de seu falecimento, regeu e gravou em vídeo e CD com os 200 artistas da Ópera nacional da Bulgária a ópera “O Guarany”, evento esse transmitido por vários países europeus pela Eurovisão. Nos anos 1990, idealizou e dirigiu espetáculos grandiosos, como a encenação de “Carmina Burana”, de Carl Orff, para 100 mil pessoas na Praia de Copacabana ou a montagem da ópera “Aída” em estádios de futebol de seis capitais brasileiras. Apresenta há 35 anos programa diário na Rádio Cultura FM de S. Paulo. Produz e rege a orquestra da TV Cultura de São Paulo no programa Prelúdio – espécie de show de calouros de música erudita – transmitido em cadeia nacional há 15 anos. Esse programa recebeu o prêmio de “melhor projeto cultural da TV brasileira” pela A.P.C.A. Há 25 anos assina crônica mensal na revista Concerto, obra referencial para a música clássica no Brasil.

Detentor de diversos prêmios e condecorações, dentre os quais o Troféu Roquette Pinto destinado aos melhores profissionais do rádio e da televisão brasileira. Recebeu do Ministério da Cultura a “Grã Cruz” da Ordem do Mérito Cultural. Recebeu semelhante honraria da presidência da Hungria por suas interpretações de obras de autores daquele país.

Por seus 6 livros – dentre os quais mencionamos também Música, maestro!: do Canto Gregoriano ao Sintetizador (Globo, 2008) – e mais de 500 artigos publicados, foi eleito por unanimidade para a Academia Paulista de Letras, cadeira de nº 3, que pertenceu a Mário de Andrade. Ao longo de sua trajetória, Júlio Medaglia tem sido um batalhador incansável para levar a música de concerto ao grande público, distingue-se nessa lida por suas estratégias comunicacionais. Reside aí também sua alma musicanovista, pelo entendimento da transversalidade das diversas linguagens: o rádio – as vanguardas – a cultura popular – a TV – Poesia Concreta – Movimento Música Nova – Tropicália – música de concerto – samba – escola de samba – jazz  – Bossa Nova – rock – rock progressivo – a orquestra sinfônica – o idiomatismo e as técnicas extendidas dos instrumentos – o som – o ruído – tudo é música!

Maestro, por tudo o que tem falado e realizado, em tantos campos diferentes, sua postura combativa tem sido um farol para a música de qualidade no Brasil por longas décadas!

Estimado maestro e acadêmico Júlio Medaglia, trazer sua notoriedade artística e intelectual para a Academia Brasileira de Música engrandece esta Casa.

Em nome da Academia Brasileira de Música, damos as boas vindas ao estimado maestro Júlio Medaglia, que a partir de agora passa a ocupar honrosamente a cadeira nº10.

 

Maria Alice Volpe Duprat
Brasília, 21 de junho de 2022

Rua da Lapa, 120/12º andar – Lapa
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