A agenda de concertos comemorativos do centenário da Orquestra Sinfônica da UFRJ continua neste mês de setembro. O primeiro abre a série no Salão Leopoldo Miguéz sob a regência de Marcelo Jardim. O “Batuque” da Suíte Reisado do Pastoreio, de Lorenzo Fernandez, dá início ao concerto com especial significado por representar as mais de 200 obras executadas pela orquestra em estreia mundial ao longo de sua trajetória artística. A obra teve sua estreia exatamente no palco do Salão Leopoldo Miguéz em 29 de agosto de 1930. Mais relevante se torna a execução por ter o “Batuque” se consagrado como uma das obras orquestrais mais conhecidas e executadas de compositor brasileiro, tanto no país quanto no exterior.
A estreia da noite é a Sinfonia “Serrana”, de Ernani Aguiar, obra com textos de poetas nascidos em Petrópolis e que traz para o concerto a participação do Coro Sinfônico da UFRJ, grupo formado pela junção de todas as turmas de Canto Coral da Escola de Música, sob a responsabilidade das professoras Maria José Chevitarese (Brasil Ensemble), Valéria Matos (Sacra Vox), Juliana Melleiro Rheinboldt e do professor André Protásio (classes de Canto Coral), abrilhantados pela participação especial do professor e barítono Marcelo Coutinho como solista.
O programa finaliza com uma obra emblemática de Villa-Lobos, um ex-aluno da Escola de Música que se consagrou internacionalmente como um dos grandes compositores do século XX. O Choros no10 apresenta uma espécie de quadro sonoro da natureza e da cultura brasileira, amalgamando, de certa forma, os ambientes rurais e urbanos. Na primeira parte se ouve uma “variedade de pássaros que existem em todo o Brasil, sobretudo os que vivem nos bosques e florestas e os que cantam à madrugada e ao entardecer nos infinitos sertões do Nordeste”. Na segunda parte, melodias “à maneira dos cânticos de rede que os índios Parecis entoam” se juntam aos vocalizes do coro “sem nenhum sentido literário”, mas “apenas servindo de efeitos onomatopaicos, para formar ambiente fonético característico da linguagem dos aborígenes”.
O elemento urbano é a melodia da schottish “Yara”, de Anacleto de Medeiros, outro ex-aluno da Escola de Música, reconhecido como um dos mais importantes nomes na consolidação do choro como forma musical instrumental típica do Rio de Janeiro no início do século XX. Um elemento a mais é a letra incorporada pelo poeta seresteiro Catulo da Paixão Cearense, cuja passagem pelo Instituto Nacional de Música, a convite de Alberto Nepomuceno, o fez merecedor de uma placa em sua homenagem.
No dia 18 de setembro, também no Salão Leopoldo Miguéz, será a vez de da orquestra prestar homenagem aos músicos da primeira geração, quando o conjunto se chamava Orquestra do Instituto Nacional de Música. Sob a direção dos atuais alunos do Curso de Regência Orquestral da Escola de Música da UFRJ, o programa apresenta algumas das obras executadas nas duas primeiras temporadas, incluindo as de Leopoldo Miguéz (Esboços op.38) e Ernesto Ronchini (Berceuse e Gavota), que foram as primeiras a serem executadas pela orquestra em 25 de setembro de 1924. Completam o programa obras de Francisco Braga (Monólogo de Felisberto), Alberto Nepomuceno (Serenata) e Henrique Oswald (Romanza), todas para orquestra de cordas).
O concerto de 25 de setembro, na Sala Cecília Meireles, marca a exata data do centenário. As obras representam as diferentes fases da trajetória artística da orquestra. O concerto é dividido em duas partes. A primeira tem início com o Episódio Sinfônico, de Francisco Braga, o “principal regente da Orchestra do Instituto Nacional de Música”. A obra foi composta em 1898 e se tornou uma das mais executadas pela orquestra ao longo de suas cem temporadas. Em seguida será apresentado o Scherzo Sinfônico, de Raphael Baptista, um dos maestros responsáveis pela reformulação da orquestra em 1969 e nomeado seu regente titular em 1977. A regência será de Roberto Duarte, titular da orquestra entre 1978 e 1995. A ária “Era um tramonto d’oro”, consta no programa com especial significado por relembrar a gravação da ópera Colombo, de Carlos Gomes, realizada em 1997 e que conquistou no ano seguinte dois importantes prêmios fonográficos, o Sharp e o da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Será apresentada por seus protagonistas em 1997, o barítono Inácio de Nonno, no papel título, e o maestro Ernani Aguiar, titular da orquestra entre 1995 e 2023.
O maestro apresenta também Sugestões de Coral e Dança, obra de autoria do ex-aluno e ex-professor da Escola de Música, César Guerra-Peixe. A primeira parte, agora sob a regência de André Cardoso, finaliza com a estreia mundial do poema sinfônico O Pássaro Mágico, de autoria de Pedro Lutterbach, uma referência ao centenário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ocorrido em 2020. Para a ocasião foi organizado um concurso de composição, aberto a compositores de todo o Brasil, vencido por Pedro Lutterbach com Boitatá, um poema sinfônico de uma trilogia da qual faz parte também O Pássaro Mágico. A obra é baseada em lenda indígena na qual um Ticoã se transforma em homem e flerta com uma jovem comprometida com um Tuxaua. Expulso e perseguido pelos guerreiros da tribo, o homem toma a forma do Pássaro Mágico, quando então “a noite desceu sobre a terra e todos foram envolvidos e arrastados pelas águas furiosas do rio”.
A segunda parte tem um apelo mais popular, começando por “Ai Morcego”, um tango carnavalesco composto por Irineu de Almeida, um ex-aluno da Escola de Música que marcaria sua trajetória como professor de Pixinguinha, outro famoso ex-aluno da Escola de Música. “Ai Morcego” fez parte da série “Uma breve história do choro”, gravada entre 2020 e 2021, durante a pandemia. Os arranjos foram elaborados por Everson Moraes, que se apresenta como solista ao oficleide.
Na sequência, serão apresentados dois choros de Pixinguinha. Ingênuo, composto em 1919, traz como solistas os professores Cristiano Alves (clarineta) e Júlio Merlino (saxofone). O arranjo, de autoria de Leonardo Bruno, recria o diálogo da clarineta de Abel Ferreira com o saxofone de Pixinguinha, revestindo a conhecida melodia com sonoridades orquestrais. Um a Zero é o título do choro composto em parceria com Benedito Lacerda, que teria sido motivado pela vitória da seleção brasileira de futebol sobre a seleção do Uruguai no campeonato sul-americano de futebol de 1919, com gol do craque Friedenreich. Os arranjos foram encomendados e estreados pela Sinfônica da UFRJ para o aniversário de 148 anos da Escola de Música, em 13 de agosto de 1996.
O uso de temas de canções populares por compositores brasileiros em arranjos sinfônicos está presente também na abertura do filme do cineasta de Nelson Pereira dos Santos, “Rio, 40 graus” (1955), para o qual o compositor e arranjador Radamés Gnattali lançou mão do conhecido samba “A voz do morro”, de Zé Ketti. A partitura original se perdeu e o arranjo foi recriado por Leonardo Bruno para a partir da audição da trilha original do filme para um evento em homenagem ao cineasta promovido pela reitoria da UFRJ na Sala Cecília Meireles em 2005. A peça foi incluída no programa por ter sido a primeira a ser executada após a mudança do nome do conjunto para Orquestra Sinfônica da UFRJ. O concerto conclui com um verdadeiro hit da música sinfônica brasileira, a “Dança de Chico Rei e da Rainha N’Ginga” do balé Maracatu de Chico Rei, de Francisco Mignone. A obra foi composta por Mignone em 1933, logo após assumir o posto de professor de Regência do então Instituto Nacional de Música.
SERVIÇO
ORQUESTRA SINFÔNICA DA UFRJ
1924-2024
100a temporada
PROGRAMAÇÃO
Concerto 1
OSUFRJ convida o Coro Sinfônico da UFRJ
Dia 2 de setembro de 2024, segunda-feira, às 19 horas
Salão Leopoldo Miguéz
Escola de Música da UFRJ
1. Oscar LORENZO FERNANDEZ (1897-1948) – Batuque da Suíte Reisado do Pastoreio (1930) 4’ – estreia em 29/08/1930 pela orquestra do Instituto Nacional de Música.
2. Ernani AGUIAR (1950) – Sinfonia “Serrana” (2024) 20’ – estreia
I. “Ária do Forte” (Allegro) – Texto de Reynaldo Chaves
II. “Antúrios” (Lento) – Texto de Wolney Aguiar
III. “Noturno” (Andante calmo) – Texto de Raul de Leoni
IV. “Aquela Serra” (Allegro molto) – Texto de Hélio Chaves
3. Heitor VILLA-LOBOS (1887-1959) – Choros nº 10 “Rasga Coração” (1926) 13’
Texto de Catulo da Paixão Cearense
Marcelo Coutinho (barítono)
Coro Sinfônico da UFRJ
(Classes dos professores Maria José Chevitarese, Valéria Matos, Juliana Melleiro Rheinboldt e André Protásio)
Orquestra Sinfônica da UFRJ
Regência de Marcelo Jardim
Concerto 2
Relembrando a Orquestra do Instituto Nacional de Música
Dia 18 de setembro de 2024, quarta-feira, às 19 horas
Salão Leopoldo Miguéz
Escola de Música da UFRJ
1. Leopoldo MIGUÉZ (1850-1902) – Esboços – Cenas pitorescas op. 38 (1902) 12’
executada em 25/09 e 15/11/1924
I. Polônia op.34 (Mazurca)
II. À Tardinha (Reverie)
III. Devaneio (Reverie)
IV. Teteia (Valsa)
V. Pesar (Lamento)
VI. Folguedo (Scherzo)
Regência de Alberto Richeli (I a III) e Felipe Galdino (IV a VI)
2. Ernesto RONCHINI (1863-1931) – Berceuse (1908) 2’15” e IIª Gavota (1905) 4’
executada em 25/09/1924
3. Francisco BRAGA (1868-1945) – “Monólogo de Felisberto”, quadro final de O Contratador dos diamantes (1906) 5’30”
executada em 15/11/1924
Regência de Carlos Mendes
4. Alberto NEPOMUCENO (1864-1920) Serenata para cordas (1902) 5’
executada em 15/11/1924
5. Henrique OSWALD (1852-1931) – Romanza para cordas (1898) 4’
executada em 17/11/1925
Regência de Glauco Fernandes
Concerto 3
Concerto do Centenário
Orquestra Sinfônica da UFRJ, 100 anos
Dia 25 de setembro de 2024, quarta-feira, às 19h
Sala Cecília Meireles
1. Francisco BRAGA (1868-1945) – Episódio Sinfônico (1898) 7’
2. Raphael BAPTISTA (1908-1984) – Scherzo Sinfônico (1943) 6’
Regência de Roberto Duarte
3. Carlos GOMES (1836-1896) – Ária “Era um tramonto d’oro” da ópera Colombo (1892) 3’30”
Solista: Inácio de Nonno (barítono)
4. César GUERRA-PEIXE (1914-1993) – Sugestões de Coral e Dança (1972) 4’30”
Regência de Ernani Aguiar
5. Pedro LUTTERBACH (1982) – O Pássaro Mágico – Poema sinfônico (2019) 10′ estreia
6. Irineu de ALMEIDA (1865-1914) – Ai, Morcego (Tango Carnavalesco)
Solista: Everson Moraes (oficleide)
7. Alfredo da Rocha Vianna Filho PIXINGUINHA (1897-1973)
(arranjos e orquestração de Leonardo Bruno)
I. Ingênuo (1919)
II. Um a Zero (1919)
Solistas: Cristiano Alves (clarineta) e Júlio Merlino (saxofone)
8. Radamés GNATTALI (1906-1988) – Abertura do filme Rio, 40 graus (1955) 3’ (sobre o tema de “A voz do morro” de Zé Ketti – Reconstrução e adaptação de Leonardo Bruno a partir do áudio original do filme)
9. Francisco MIGNONE (1897-1986) – Dança de Chico Rei e da Rainha N’Ginga do balé Maracatu de Chico Rei (1933) 5’
Regência de André Cardoso