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Bate-papo com Sérgio Deslandes: O acadêmico Valdemar de Oliveira e a Ópera no Recife

“Ópera no Recife: vozes, bastidores, espectadores” é um dos raros estudos sobre a produção operística no Recife e resgata toda a cena musical nos séculos XIX e XX

Bate-papo com Sérgio Deslandes: O acadêmico Valdemar de Oliveira e a Ópera no Recife
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No dia 24 de abril, a ABM teve o privilégio de receber a visita do pesquisador, violonista, compositor e regente Sergio Deslandes. Professor na Universidade Federal de Pernambuco, o pesquisador visitou a sede para levar um exemplar da segunda edição do livro “Ópera no Recife: vozes, bastidores, espectadores”, no qual é coautor ao lado de Karuna Sindhu de Paula e Felipe Azevedo e Souza.

A segunda edição, lançada em 2022, foi fruto de uma extensa pesquisa aprovada pelo Funcultura-PE em 2016, ganhando a primeira edição em 2018, de tiragem reduzida e esgotada em curtíssimo tempo. É um dos raros estudos sobre a produção operística no Recife e resgata toda a cena musical nos séculos XIX e XX, revelando ter sido a cidade um importante centro cultural do continente americano, por onde passaram dezenas de companhias europeias.

Situando a ópera no contexto social do Recife do século XIX, o livro revela que o gênero ganhou os espaços públicos como arte coadjuvante do teatro. A partir do abrangente conteúdo, o livro oferece uma grande variedade de temas para pesquisadores e produtores, tendo como um dos destaques as operetas e revistas musicadas por Valdemar de Oliveira, com letras de seu parceiro artístico Samuel Campelo.

A visita à sede da ABM não poderia passar despercebida, considerando que Sergio Deslandes aprofundou suas pesquisas, nos últimos anos, em torno da vida e obra de Valdemar de Oliveira, que ocupou a cadeira número 26 da Academia Brasileira de Música – da qual seu amigo e ex-professor Euclides Fonseca foi patrono –   e um dos nomes de maior importância na vida cultural operística e musical de Recife, conforme o próprio pesquisador nos revela em uma entrevista solfejada de boas histórias e curiosidades.

ABM – Conte-nos um pouco sobre as múltiplas atividades profissionais de Valdemar de Oliveira, suas formações, campos de atuação.

Sérgio Deslandes – Valdemar pouco trabalhou com Medicina, na qual se formou bem jovem. E, mesmo nessa área, é surpreendente a visão que tinha, muito à frente de sua época. Ele foi responsável pelo primeiro estudo no país sobre Musicoterapia, isso lá no início dos anos 20, sabendo que os estudos sobre o tema no Brasil só começaram a ser desenvolvidos nos anos 60, vindos dos Estados Unidos. Quando ele retornou da Bahia, chegou a abrir um consultório, talvez por pressão familiar, quando simultaneamente compôs suas operetas “Berenice” e “Aves de Arribação”; ambas fizeram um grande sucesso na época. Foi quando viu que não iria seguir como médico, passando a atuar como professor no ensino público na área de Higiene e Saúde e se dedicando de forma mais exclusiva à música e às operetas. Valdemar teve uma vida muito longa e bem dividida…uma grande parte como músico e uma grande parte também como importante diretor de teatro, dos anos 40 a 50… Depois, lá pelos anos 60, voltou a ser músico, atuando mais na área da música popular, com o frevo, por exemplo.

 

ABM – Dentre suas atividades, Valdemar também escrevia críticas musicais em jornais, inclusive assinando com pseudônimos, certo?

Sérgio Deslandes – Isso mesmo, e José Capibaribe era um dos seus pseudônimos. Provavelmente, quando Valdemar fez Direito, buscava aprimorar sua escrita. Escrevia críticas e muitas vezes, para a música popular, ele assinava com o pseudônimo, pois havia aquele ranço com a música popular. Mas, depois, mais para o final da vida, especialmente quando começou a escrever sobre o frevo, passou a assinar com o próprio nome mesmo quando se tratava de música popular. Inclusive, também nessa época, ele formou uma banda chamada “Os Oliveira”, com os filhos, com a esposa, netos e primos!

ABM – É importante destacar também que ele transitou por tantas transformações tecnológicas e como isso afetou suas composições, seja no formato quanto no estilo.

Sérgio Deslandes – Valdemar viveu toda a transformação tecnológica do início do século XX até os anos 70 e sempre se dispôs a dialogar e produzir artisticamente conforme as mudanças. Ele pegou o impacto do cinema mudo (com as orquestras produzindo a trilha sonora), o surgimento do cinema falado e, consequentemente, a demissão em massa dos músicos das orquestras dos cinemas… Viu o nascimento do rádio e como o veículo recebeu os músicos locais para integrarem as próprias orquestras das emissoras…. Viveu o nascimento da primeira emissora, a Rádio Clube de Pernambuco! Em seguida, presenciou a multiplicação das rádios por todo o país e, logo adiante, o nascimento da TV. Tudo isso, evidentemente, trouxe mudanças, seja em relação aos formatos, seja estilisticamente.

ABM – Realmente, neste primeiro volume são muitas as histórias. Irá sair um segundo volume do livro?

Sérgio Deslandes – Exatamente. Com prefácio de Ligiana Costa, musicóloga e dramaturgista, o segundo volume será lançado brevemente com muito material que ficou de fora do primeiro, um aprofundamento desta pesquisa do primeiro volume. Uma curiosidade que está no próximo volume do livro surgiu de uma situação bem engraçada que me aconteceu no dia do lançamento do primeiro volume. Eu estava no hall de entrada do Teatro de Santa Isabel, no balcão, com os livros à venda, quando um senhor folheou e comentou: “uma porcaria, não tem minha ópera neste livro” (risos). Foi quando o indaguei e soube que ele havia escrito e encenado uma ópera, em Recife, nos anos 80, na qual as coralistas se apresentavam com os seios nus… Você imagina isso? (risos). Então, neste segundo volume, eu conto toda essa história, com fotos e tudo, gravamos uma entrevista bem interessante com o autor.

Num outro dia, no mesmo hall de entrada, aconteceu um outro episódio bem emocionante. Quando, ao se interessar pelo livro, um rapaz deu uma olhada e o mostrou para sua mãe que, ao folhear, começou a chorar de felicidade…. Ela havia encontrado no livro uma menção à sua mãe (avó do rapaz), que tinha sido cantora nos anos 80 no Recife. Foi bem emocionante.

ABM – Mesmo com diferenças estilísticas, Valdemar mantinha profundo respeito e admiração por seu professor e amigo Euclides Fonseca. Fale-nos a respeito.

Sérgio Deslandes – Sim, sim. Inclusive, na ocasião do seu falecimento, Valdemar escreveu, em uma de suas colunas jornalísticas, uma bela homenagem. Valdemar era uma pessoa que tinha muita consciência a respeito de si, de seu momento histórico e, ainda mais, de seu posicionamento. Desta forma, pra ele, era muito evidente a importância de Euclides na cultura e na vida musical de Recife. Euclides era do século XIX e, claro, havia divergências estilísticas entre eles, mas a admiração de Valdemar pelo antigo professor era indiscutível.

ABM –Valdemar também experimentou as vertentes musicais do final do século XIX?

Sérgio Deslandes – Valdemar viveu um pouco daquele nacionalismo que remonta ao século XIX e em seguida mergulhou no Modernismo e todas suas rupturas estéticas… Por conta do cinema falado e da consequente mudança do eixo cultural da Europa para os EUA, foi fortemente influenciado pelos fox-trots, pelo swing… Mas naquele momento, de fato, não se aprofundou musicalmente nestes novos estilos e enveredou mais para o teatro, atuando no Teatro de Amadores de Pernambuco – TAP, em Recife. Percebeu que poderia influenciar significativamente se atuasse como diretor e, inclusive, assumiu a Direção do Teatro de Santa Isabel na grande reforma dos seus 100 anos. No segundo volume do livro, contaremos sobre o diário que Valdemar escrevia na época da reforma do Teatro de Santa Isabel – ele tinha o hábito de escrever diariamente sobre suas atividades, seus encontros. Este diário é uma preciosidade! Ali revela encontros, reuniões diversas, com personalidades importantes, como por exemplo, as conversas que tinha com Villa-Lobos.

ABM – Tem também a forte atuação do Valdemar junto às crianças, correto?

Sérgio Deslandes – Com certeza. Outro ponto muito interesse sobre o qual iremos nos aprofundar mais no segundo volume é a atuação do Valdemar com as crianças, suas atividades musicais para os mais jovens. Outro grande ineditismo de Valdemar foram suas operetas infantis, escritas para serem tocadas e cantadas por crianças, algo pouquíssimo visto, poucos registros de composições neste formato, algo que, hoje em dia, muito se assemelha às produções do Tim Rescala. Antes de Tim Rescala, não se encontra quase nenhum registro de algo do gênero no país, somente as operetas compostas por Valdemar.

ABM – Realmente, um homem à frente de seu tempo…                                                                                         

Sérgio Deslandes – Você acredita que ele foi o primeiro no país a escrever sobre frevo? Antes dele, não há registro nenhum, nenhum artigo sobre este ritmo popular. Nos anos 60, a convite do grande musicólogo Francisco Curt Lange, Valdemar escreveu o primeiro estudo científico sobre o frevo, que foi lançado nos anos 70, uma edição já esgotada, que, na época, foi publicada no Boletim Latino-Americano de Cultura e que, neste ano, 2024, ganhou até uma edição no Japão. Nem mesmo na Antropologia se encontra registros sobre o frevo até a publicação deste livro de Valdemar nos anos 70.

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